Muitas são as especulações sobre os rumos do turismo mundial quando os rastros da Covid-19 forem, aos poucos, sendo apagados pelo reflorescer da atividade. Mas, assim como todas as indústrias impactadas pela pandemia, que tem ceifado vidas e negócios, a indústria do turismo ainda tateia alternativas e tenta prever comportamentos.
Um fato, no entanto, é inegável: se por um lado, o turismo é uma das atividades mais suscetíveis a impactos econômicos, sociais e naturais, é também uma das mais resilientes. É incrível a capacidade de regeneração de destinos turísticos devastados por desastres naturais, atentados ou crises financeiras.
A expectativa de governos, companhias aéreas, redes hoteleiras e dos negócios da hospitalidade de maneira geral, é, portanto, que essa mesma força reerga a atividade após o coronavírus. E daí surgem diversas hipóteses para a retomada gradativa do setor, até que o mundo volte a ter coragem – ou esteja seguro, com a eficácia de uma vacina, por exemplo – para se aglomerar em um avião, num espetáculo da Broadway ou no Bondinho do Pão de Açúcar.
Há teorias que defendem que a era do turismo de massa acabou de vez e que o novo turismo é personalizado, para pequenos grupos e de lugares inusitados. Honestamente, eu acho cedo para afirmar isso categoricamente, então, prefiro deixar essa discussão para um próximo texto. Mas, uma realidade é inquestionável, ao menos para essa fase de viagens com restrições – o que se pressupõe os próximos meses: as viagens internacionais estão fora dos planos da maioria das pessoas.
Rolê na gringa só no ano que vem
Uma pesquisa da plataforma de tendências Criteo, líder global em marketing para e-commerce, apontou que, embora 68% dos brasileiros estejam ansiosos para viajar de novo, 38% afirmam que só entrarão em um avião após nove meses, enquanto outros 24% devem levar de seis a nove meses para encarar uma viagem aérea. Ou seja, a preferência, por enquanto, fica pelas viagens curtas, com deslocamento terrestre.
E é aí que entra o hiperlocalismo ou o turismo hiperlocal.
O termo, na verdade, veio herdado do jornalismo, uma tendência que vem ganhando força nos últimos anos, de explorar temas e assuntos de interesse local, segmentando o público não pelo perfil, mas pela região. Aliás, caros amigos, é exatamente o que faz esta jovem Revista Nove, quando restringe em sua linha editorial conteúdo sobre a Baixada Santista, buscando fortalecer a localidade. Somos, com orgulho, um case caiçara de jornalismo hiperlocal.
Mas nosso caso aqui é com o turismo e como o hiperlocalismo vai – ou pode – salvar os destinos no pós-pandemia. É louco falar de turismo hiperlocal num mundo onde se busca ser cada vez mais hiperconectado, para ser, na real, global. Nós já vamos chegar lá, mas vamos por partes.
Aliás, o conceito de hiperlocalismo também passa pelo setor imobiliário, quando se criam ações para tornar o morador local o centro da autoridade de um certo território, dando voz e poder a ele e, mais perto – bem perto – de nós, na gastronomia, quando negócios de alimentação priorizam comprar de produtores que estão o mais próximo possível do local de consumo. Também temos bons exemplos em Santos de restaurantes com tendência hiperlocal, como o Madê, do chef Dario Costa, e o Sítio 17, dos chefs Marcio Okumura e Daniel Stucchi, entre outros.
No turismo, queridos amigos, o hiperlocalismo se dá quando o viajante define por destinos mais próximos, de até 300 km normalmente, com deslocamento de carro. É exatamente isso que deve acontecer nos meses que seguirão no pós-pandemia recente, ainda sob o fantasma da Covid-19. Viagens curtas, em veículos próprios ou alugados, provavelmente com grupos familiares ou de pessoas próximas e de confiança, em busca de experiências mais humanizadas. Esse deve ser o perfil do novo turista – se será esse o novo normal, ainda precisaremos descobrir, também acho cedo para afirmar. Mas, certamente, para os próximos meses, tende a ser assim.
E como o destino deve se beneficiar do turismo de hiperlocalidade?
Bom, primeiramente, uma vez conhecendo a tendência, os investimentos em divulgação devem ser dirigidos a públicos de cidades ou estados limítrofes, o que inclui até mesmo aquele morador de uma cidade dentro da mesma região metropolitana. Okay, vou ser mais claro: as chances de termos santistas explorando mais Peruíbe ou itanhaenses conhecendo melhor Bertioga são grandes, bem grande! É hora de ter pé no chão, porque os turistas vão descobrir que…
há beleza na redondeza!
E na Baixada Santista temos muitas, inúmeras, a maioria delas – posso afirmar com dedo em riste – desconhecidas pelos moradores das cidades vizinhas.
Aliás, acho que vale a informação de que o Airbnb registrou em abril um crescimento de 34% de reservas na mesma cidade em que o usuário reside e, em maio, o percentual subiu para 42%. Certamente, a demanda durante a pandemia tem aumentado em função de pessoas buscando isolamento social, mas talvez já reflita uma tendência de busca por novas experiências dentro da região.
Outra coisa: o seu negócio, seja ele um hotel, um restaurante, um atrativo turístico ou mesmo um comércio – ou ainda que seja você um guia de turismo – precisa conhecer este novo perfil de turista e saber lidar com ele. Este, mais do que aquele que vem de longe, precisa ser cativado cuidadosamente, porque ele já vem com a falsa ideia de que conhece o destino e pode se ofender caso se sinta ‘um verdadeiro estranho na cidade que ele já conhece’. O discurso aqui vai no caminho de surpreender, fazê-lo conhecer mais do que ele supostamente sabe e deixar que ele sozinho perceba que sabia quase nada. Porque afinal, amigo, você também pouco sabe!
E, por fim, – é claro que eu não vou mencionar aqui sobre os protocolos de segurança, higienização e sanitização, porque desses você já deve estar a par a esta altura dos fatos – é preciso ser glocal. Sim, glocal! Um neologismo – mais um – que surgiu da junção de global com local, pra dizer o seguinte: por mais que sua marca seja internacional ou que a internet nos possibilite um alcance global, com potencial de atração de visitantes do Brasil e do mundo, a sua atuação deve ser local.
O turista busca uma experiência que tenha conexão com o destino, porque, afinal, o seu negócio está inserido nele. Então, por mais que você tenha uma cozinha internacional, ela precisa ter um toque local, respeitar os conceitos de hiperlocalidade, para criar vínculos emocionais com o visitante. Ainda que você esteja à frente de um hotel de bandeira internacional, é preciso trazer uma ambiência local, com vivências genuínas da localidade.
Isso sempre valeu no turismo, mas agora, mais que nunca, quando estaremos em busca de experiências mais humanizadas e que nos conectem com aspectos mais sensoriais, é regra de ouro.
* Diego Brígido é jornalista, bacharel em turismo, com especialização em Gestão de Mercados Turísticos e Hotelaria, pela ECA-USP, e marketing estratégico pela São Judas. Tem mais de 15 anos de experiência em comunicação no turismo e é criador e editor-chefe da Revista Nove