Eu nunca entendi a cara de choque das pessoas quando comento que o meu vestido mais glamouroso e preferido eu comprei num brechó.
Foi em 2013, numa viagem a São Francisco, na Califórnia, na famosa Haight Street. Os mais sinceros explicaram o espanto: “Sei não, essa história de comprar roupa usada, você não sabe de quem é, a energia que vem junto…”.
Nossos costumes vêm carregados de tabus. E pouco percebemos que alguns deles são construídos pelo próprio mercado e pela indústria. O novo, o jovem, o fresco, nos magnetizam sem percebermos que em muitos casos é tudo uma questão de perspectivas.
Nem sempre eu gostei de comprar em brechós. Na adolescência eu não era muito adepta, mas aos 17 anos, depois de ganhar um pouco de autoconfiança (um processo que é contínuo, diga-se de passagem), eu me deparei com o desafio de caçar uma fantasia aqui em Santos. Foi justo num brechó que encontrei a solução – mas não apenas isso. Eu descobri um mundo de possibilidades criativas para me vestir.
Desde então, passaram-se quase 20 anos e minha curiosidade por brechós, bazares, feiras de antiguidades e brocantes só crescem. Nas minhas férias, uma das primeiras coisas que faço antes de chegar a um destino turístico é descobrir onde ficam os brechós, antiquários e feiras do gênero. É um lazer que hoje ocupa boa parte do meu armário.
Nesse processo de descobertas de lugares para comprar roupas e acessórios de segunda mão eu descobri o tamanho desse mercado – e o quanto ainda estamos iniciando esse movimento aqui no Brasil. Nos Estados Unidos, conheci inúmeras lojas de peças de segunda mão e algumas são verdadeiros cases. A Out Of The Closet é uma das mais interessantes: a grana que eles arrecadam na venda de roupas de segunda mão é usada para oferecer testes de HIV gratuitos.
A Goodwill é outra iniciativa legal: uma rede de brechós fundada em 1902, que vende coisas usadas e toda a grana é destinada para instituições de caridade. Ou seja, não é apenas uma questão de pensar em ressignificar peças usadas, mas fazer com que elas gerem algum valor para a nossa sociedade. Aproximadamente 18% dos americanos já entenderam isso e são consumidores frequentes das “thrift stores”.
Aqui em Santos os brechós e bazares beneficentes são lugares clássicos onde eu aproveito para garimpar. Mas sempre senti falta de outras opções. O Juicybazar é filho dessa inquietação, de fazer a população de Santos repensar o descarte e o consumo.
Depois de sete anos realizando o evento, eu e a Flávia Saad temos muito orgulho de olhar para trás e ver que evitamos que mais de 30.000 produtos fossem jogados no lixo, ou descartados sem a oportunidade de serem reinseridos no mercado. E que já geramos mais de R$ 220.000,00 para ONGs que fizeram grandes benfeitorias com esse dinheiro.
De quebra a gente sempre se divertiu muito fazendo essa mobilização e garimpando no evento. Hoje posso dizer que boa parte do meu armário é composto por preciosidades que comprei no próprio Juicybazar e em bazares ao redor do mundo. Mais do que renovar valores de como eu consumo, fazer isso é para mim, um exercício de autoconhecimento. Uma certa audácia. Um desafio ao status quo das fast fashion e das tendências tão voláteis.
Eu acredito num mundo onde todo mundo deveria poder sair do armário. E a única coisa que deveria entrar no armário seriam valores renovados e roupas cheias de histórias.
* Ludmilla Rossi é sócia da MKT Virtual e fundadora do Juicy Santos