Dona Ana não era Costa até se casar com Mathias. O sobrenome veio dele, a grana, não se sabe. Ele, português radicado santista, ela de Maricá, no Rio de Janeiro. Isso lá pros idos de 1880 e poucos, quando nem o shopping Balneário existia, mas o Cine Roxy talvez sim (e ainda era possível pagar pela pipoca).
O casal Mathias e Ana Costa era dono de muitos terrenos em Santos, isso até outro português empreendedor desembarcar por aqui, um famoso Armênio Mendes, mas deixemos essa parte pra outra hora.
Mathias era um homem muito conhecido dos santistas à época, ainda que não frequentasse o Tênis Clube, nem a praia do Canal 3, mas também tinha lá seus desafetos. Foi que no dia 8 de maio de 1889, numa agradável manhã de outono, enquanto chutava as folhas de ipês amarelos caídas pelo chão, vistoriava as obras de conclusão da avenida por onde passaria o tão sonhado bonde, que ligaria a Vila que levava o seu nome à orla.
O ponto final do bonde seria em frente ao bar do seu muito amigo e conterrâneo, (Antônio) Gonzaga. Na ocasião, a turma do Barão do Café, outro tradicional bar da vizinhança, não gostou do previlégio. Mas, Mathias mandava em tudo por aqui — antes do Armênio, como eu já havia dito.
Durante as inspeções da obra, Mathias notou a aproximação dos irmãos Olívio e Antônio Batista de Lima, seus desafetos, membros de uma tradicional família santista, que vira e mexe ilustravam as colunas sociais de A Tribuna. No dia seguinte, os irmãos estariam em outro caderno do jornal: o Policial.
Um deles, Antônio, atirou e matou Mathias, o outro, Olívio, que diziam ter problemas mentais, assumiu a culpa. O defunto deixou a esposa Ana Costa e cinco filhos; o nome da nova avenida por onde passaria o bonde, no entanto, já estava acertado com a prefeitura. Uma homenagem a sua senhora. O prefeito manteve a promessa, mesmo com Mathias morto e, se fosse hoje, o Rotary certamente teria feito um monumento em homenagem ao grande homem que fora.
Os irmãos Lima foram julgados na Casa de Câmara e Cadeia, na Praça dos Andradas, onde hoje é a Cadeia Velha, e absolvidos por Cesario Bastos. Após o julgamento, atravessaram a rua e, na rodoviária (ainda não tinha sido reformada), compraram as passagens e pegaram o Cometa para a capital. — Duas, no fundo, sem seguro.
Tempos depois, a viúva se casou novamente, mudou de nome, voltou pro Rio de Janeiro e frequentemente é flagrada atirando ovos de sua janela, vizinha do Copa Cabana Palace, em quem passa pela rua.
E os bondes já não passam pela Ana Costa, embora os motorneiros ainda estejam todos vivos.
Da série ‘Histórias que poderiam ter sido — Crônicas de Santos’
* Personagens reais, com alguns fatos reais e histórias, obviamente, fictícias