O remédio que você bebe na taça

Por Bruno Caldeira

Gin é a base alcoólica do coquetel mais famoso do mundo, o Dry Martini, e indispensável em qualquer bar, mesmo nos barzinhos domésticos.

A palavra Gin vem de zimbro, que em holandês é Genever, Genievre em francês e Ginepro em italiano. Surgiu na Holanda, em meados do século XVI, com o professor Sylvius de Bouve, que é sempre creditado como criador do que conhecemos hoje como Genever, e, por extensão, do Gin. Ele tentava desenvolver a fórmula medicamentosa para doenças renais. Vinte anos após sua criação, já se consumiam 50 milhões de litros do tal ‘remédio’.

Equívoco comum entre as pessoas fora da ‘bolha’ do mundo dos bares, é acreditar que o Gin é um destilado de Zimbro, na verdade, a bebida é um álcool neutro que recebe obrigatoriamente o zimbro e cada marca usa uma lista de botânicos para compor a receita. Essa lista pode partir de apenas 4 ingredientes ou até 31 distintos botânicos. No Brasil, pode ser comercializado com uma graduação alcoólica entre 35 e 54%.

Na guerra dos 30 anos, o Gin foi combustível da coragem dos soldados holandeses, de 1618 a 1648, os Países Baixos se tornaram campos de batalha da Europa, já que a França, Inglaterra e Espanha lutaram por diferenças religiosas existentes entre cristãos católicos e protestantes e logo ganhou outros contornos, que envolviam interesses de expansão territorial, econômicos, motivações políticas e até mesmo a hegemonia na Europa.

E foi assim que tropas inglesas, lutando essas batalhas descobriram do que era feita a tal ‘Coragem holandesa”’ (Dutch Courage).

Os holandeses criaram o Gin, mas foram os ingleses os responsáveis pelo refinamento e disseminação dessa bebida. Graças à invenção do alambique contínuo de Coffey, a bebida passou a ser produzida em grande escala.

Já na Londres de 1730, tínhamos mais de 7 mil pontos de venda de Gin, que era mais barato que cerveja e com uma graduação alcoólica entre 80% e 90%. O impacto do gin na população carente de Londres, desacostumada com qualquer bebida mais forte que a cerveja, tem sido comparado com os efeitos do crack nos grandes centros urbanos.

O período em que o gin teve o efeito mais devastador na Inglaterra ficou conhecido como ‘Gin Craze’, que foi imortalizado na obra do inglês William Hogart em 1751 – Gin Lane (Alameda do gin). A obra mostra a sociedade Londrina em colapso causado pela ‘Febre do Gin’. Na ilustração, também tinha um poema sobre o Gin naquela época.

Alameda do Gin

Gin, demônio maldito, que furioso,
a humanidade te empenhas em caçar;
Tu, que entras, por um gole mortuoso,
queres as vidas do corpos arrancar.
Da virtude e a verdade aos desesperos,
Fúria que nos joga na profundidade.
Mas estimas e com infernais esmeros,
todo o roubo, o assassinato, a falsidade
Copo mau! Tu escravizas os viventes,
com líquido que por dentro fogo ateias.
Tu fazes dos corações pobres dementes
Tão logo corre apressado pelas veias.

E como o remédio veio parar na taça?

Em 1739, a árvore originária do Peru foi oficialmente catalogada e batizada de Cinchona L, em homenagem à Condessa de Chincón, que foi curada com uma bebida indígena que usava a casca da árvore e assim o quinino se espalhou pelo mundo como o santo remédio contra a malária.

Durante as expedições de colonização da Índia, os soldados ingleses recebiam gin em sua ração diária e uma dose de quinino para proteger-se da malária e para amenizar o forte amargor do quinino, a receita era misturar ele no gin e acrescentar à mistura limão siciliano, açúcar e água.

A receita deu tão certo que o gin com água tônica de quinino se espalhou rapidamente no pós guerra, como a bebida dos heróis de guerra.

Podemos por assim dizer que o Gin and Tonic salvou milhares de pessoas da malária e do escorbuto (doença causada por deficiência de vitamina C), muito comum nos tempos das grandes navegações.

O Gin tônica sempre foi servido em copos Long Drink e eventualmente em copos baixos, porém, lá por volta do ano de 2005, começou um movimento de reestilização do Gin tônica. Reza a lenda que tudo tenha começado com a marca Hendrix, que tirou a apresentação do copo longo para uma taça bojuda de vinho Borgonha com uma fatia longitudinal de pepino, uma pétala de rosa e algumas bagas de pepino, com o sucesso meteórico dos chefes espanhóis como Ferran Àdria e José Andrés, essa nova apresentação do G&T se alastrou por toda a Europa e logo ganhou outros continentes.

E no Brasil?

Agora farei o papel de advogado do diabo!

Demorou vários anos para o Gin tônica ser o sucesso que é hoje no país, tudo começou pelos bares badalados e formadores de tendências do circuito Rio – São Paulo. Foram lançadas algumas cartas de Gin Tônicas com perfect service das grandes marcas de Gin, receitas usando insumos e frutas nacionais que harmonizam com tônicas especiais importadas, que elevaram o Gin tônica para o patamar de muito glamour, mas não era sucesso de vendas.

Em dado momento, digo, há alguns poucos anos, a indústria percebeu que para o sucesso do Gin Tônica, faltava um ingrediente indispensável na dieta brasileira, você imagina qual seja?

Sim, o açúcar! Na indústria existe um jargão que ‘brasileiro tem o paladar Coca-Cola’, dado o fato que desde a primeira infância (cinco primeiros anos de vida), brasileiro é acostumado ao sabor doce do refrigerante, com isso, grande parte da população passa vida inteira sem gostar de alimentos amargos, ácidos ou azedos, como por exemplo, chocolate 70% Cacau, limão ou pitanga.

E a frase mais corriqueira entre as pessoas que não gostam de Gin tônica é: “Não gosto, porque é amargo”.
Se você não sabia, água tônica é um refrigerante de quinino, com uma concentração de açúcar maior do que os outros refrigerantes. A Coca-Cola tem 146 calorias e a água tônica possui 175 calorias.

Outro equívoco é achar que o Gin tônica é ‘fit’, sim o gin, em si, não tem glúten, assim como a vodka e a cachaça, porém, se você mistura com o refrigerante mais calórico do mercado, a água tônica, já derrubou o seu ‘fit’. Agora, imagina se você incluir aquele xarope de frutas colorido e bem docinho que faz com que o seu GT fique ‘maravilhoso’?

Atualmente, é o destilado mais consumido no mundo nessa década, uma excelente mudança para quem já foi considerado o ‘bad boy’ entre os destilados, em uma época que era sinônimo de bebida muito barata e malfeita.

E o maior consumidor mundial são as Filipinas, que consome quase 50% de todo o Gin produzido no mundo.

*Beba com moderação!

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