A moça influencer apareceu no TikTok bradando com o livro Memórias póstumas de Brás Cubas em mãos.
Lembrei-me de imediato da dedicatória ao verme, epitáfio sem paralelo em nossa literatura, e por um tempo fiquei assim, operando comparações e analisando se acaso o verme havia deixado herdeiros, roendo em outras bandas ou outros organismos. Vá saber.
Tem horas que o mundo me espanta, mas cada qual com o seu quinhão. Gilles Deleuze, por exemplo, foi fundo na literatura e sacou nos grandes romances que sempre haverá um personagem pensador. Brás Cubas, não o fundador de Santos, certamente é desses, ao expor o passado que não passa, que paira.
Dias depois, voltou a moça no TikTok. Falava então sobre o livro Dom Casmurro, quiçá a obra machadiana mais conhecida e intrigante. Num estratagema de gringo, deixou para o final a pergunta capciosa, tirando um pelo da gente, claro, como se fossemos maus leitores e indecisos feito um personagem machadiano, na terrível dúvida do sim e do não.
Quero fazer um parêntese: parece que até a década de sessenta havia um grande consenso pelo sim, de que Capitu havia traído. Dos anos setenta em diante, momento de muitas críticas nas ciências sociais e revisões, o eixo gravitacional do sim vai sendo empurrado em direção ao não. Bentinho, passará a ser visto cada vez mais como paranoico e ciumento incorrigível, dando vazão ao não. Nos dias atuais, frente à conjugação dos movimentos identitários e de tantas outras expressões, certa ambivalência me agrada: se Capitu traiu, estava certa! Se não, perdeu tempo, deveria.
Machado de Assis nasceu em 21 de junho de 1839, há 185 anos. Os livros acima, o primeiro publicado em 1881 e o segundo em 1899, trazem passagens intrigantes, que me levam ao complexo dilema: se somos nós dentro dos livros ou se é o livro dentro da gente. Coisas assim, pois ninguém sai ileso depois de ler Machado.
* O texto acima é inteiramente de responsabilidade do cronista e não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Nove.
* Imagem produzida com IA (ABL)