Santos, berço da produção açucareira no Brasil

Por Sergio Willians

Primeiros engenhos de cana-de-açúcar foram instalados na Capitania de São Vicente. O pioneiro teria sido erguido na atual área continental de Santos

Região do Enguaguaçú (futura Vila de Santos), c.1535. Os olhos de Pero de Góes, o dono do engenho da Madre de Deus, brilhavam ao testemunhar a primeira colheita de cana-de-açúcar de sua sesmaria. O solo escolhido, junto ao Morro das Neves, não era dos melhores e, provavelmente por isso, se fizeram necessários pouco mais de dois anos para que as mudas trazidas da Ilha da Madeira germinassem e crescessem adequadamente. Outros povoadores que apostaram na monocultura, entre os colonos pioneiros deixados por Martim Afonso de Souza nas terras da Capitania de São Vicente, como José Adorno, João Veniste, Francisco Lobo e Vicente Gonçalves, também não tiveram melhor sorte e demoraram até um pouco mais para vislumbrarem uma produção razoável. O engenho da Madre de Deus, erguido ainda em 1532 (ano da chegada da armada colonizadora) no local hoje conhecido como “Sítio das Neves”, estava pronto para triturar a cana e iniciar o processo de extração do açúcar, bem como da bebida inebriante que caíra no gosto dos europeus desde o século X.

Góes contava com a ajuda de três fortes rapazes e uns trinta índios, gentis da terra, feitos escravos para as tarefas mais pesadas. À medida em que os fardos de cana chegavam à moenda, o trabalho da transformação começava. Os talos da cana eram moídos para a extração do caldo, posteriormente fervido em fornalhas e purificados (ou purgados) em tachos de cobre, sob a batuta de um especialista (chamado comumente de “mestre do açúcar”). Esse posto era geralmente ocupado por homens bem pagos pelo dono do engenho ou por alguém de muita confiança dele. Depois de depositados nos tachos, e após a drenagem do líquido restante, o melaço ficava sólido (como uma rapadura) e, só então, era batido, esfarelado e separado em diferentes tipos de açúcares. A primeira produção santista e, provavelmente, brasileira, foi modesta, mas deu o pontapé para um dos mais importantes ciclos econômicos da história do Brasil.

São Vicente, Pernambuco e Bahia

O protagonismo do primeiro engenho brasileiro em solo santista é relativamente aceito pela comunidade acadêmica em razão do passo decisivo por iniciar a colonização brasileira em terras vicentinas. No entanto, a questão acerca da primeira produção açucareira divide opiniões, uma vez que o Reino de Portugal, ato contínuo à bem-sucedida empreitada de Martim Afonso de Souza, decidiu abrir outras frentes para empreendedores do açúcar na região Nordeste, mais especificamente nas capitanias de Pernambuco, cujo donatário era Duarte Coelho, e na da Bahia de Todos os Santos, liderada por Francisco Pereira Coutinho. Os engenhos daquela região também foram construídos ainda na década de 1530.

Os lusitanos investiam fortemente nas terras além-mar, tentando torna-las produtivas. Era uma forma de calar a boca de franceses, holandeses e ingleses, que viviam questionando a legitimidade do Tratado de Tordesilhas (que dividiu o mundo entre portugueses e espanhóis) e diziam só reconhecer a posse sobre terras ocupadas. Pensou-se inicialmente na produção de trigo, mas em função do clima e da fartura do produto em solo europeu, a posta no açúcar parecia a mais viável, e assim foi. Rapidamente o Brasil se tornou uma potência açucareira e atraiu parceiros importantes, como os holandeses (que, após 1581, se tornariam inimigos em razão do governo da coroa unificada Espanha/Portugal). Pela localização (1.500 quilômetros mais longe da Europa que Pernambuco) e solo menos apropriado para o cultivo da cana-de-açúcar, a Capitania de São Vicente, apesar do florescimento inicial, acabou recebendo menos atenção do que a produção nordestina.

Os engenhos de Santos

Além do equipamento pioneiro pertencente a Pero de Góes, situado na atual área continental do município santista, havia o Engenho São João, explorado por três italianos de Gênova (Antônio, José e Paulo), homens experientes no ramo por terem trabalhado com produção açucareira na Ilha da Madeira (de onde vieram as primeiras mudas para a Capitania). Este empreendimento situava-se junto ao morro do Fontana, às margens do ribeirão São Jerônimo (nas proximidades do túnel Rubens Ferreira Martins, do lado do centro). O comando era de José Adorno, figura tida como violenta, mas que acabou “regenerada”, tornando-se amigo de jesuítas – para quem doou várias terras – e carmelitas – para quem doou a Capela da Graça, construída por volta de 1560 quando ocupou o cargo de provedor da Santa Casa de Misericórdia. O historiador Frei Gaspar da Madre de Deus, em sua obra sobre a Capitania de São Vicente, apontava-o como dono de uma das maiores fortunas do século 16.

O terceiro e último engenho construído neste período inicial era considerado o mais importante, uma vez que pertencia ao próprio capitão donatário, Martim Afonso de Souza (era como uma espécie de engenho estatal), dedicado a São Jorge e recebendo ainda o nome de “Engenho do Governador” ou “Engenho do Trato”. Era um equipamento que moía a cana produzida por quase todos os colonos da Capitania. Porém, o capitão donatário não teve interesse de manter o empreendimento e logo passou pra frente, sendo ele absorvido por um empresário flamengo (relativo à região de Flandres – entre Bélgica e França), chamado Erasmos Schetz, por meio de seu compatriota Johan Van Hielst (João Veniste), que era sócio de Martim Afonso, além de Francisco Lobo e Vicente Gonçalves. Após assumir o controle do engenho, em pouco tempo ele passou a ser conhecido pelo sobrenome do empresário de Antuérpia (Erasmos).

Santos açucarada

Apesar de ter produzido bem menos do que Pernambuco e Bahia, os engenhos da capitania vicentina trabalhavam a todo vapor, enriquecendo seus donos e exportando o que era possível pelo Porto de Santos. Aliás, o açúcar foi o primeiro produto em larga escala embarcado no “cais” santista (na verdade, naquela época, a mercadoria era levada aos navios em trapiches e botes). E quando esses embarques ocorriam o aroma salitroso emanado das escuras águas do canal do estuário se misturavam com o ar adocicado do produto que nasceu, cresceu e ganhou o mundo a partir de nossos engenhos pioneiros.

Texto e fotos originalmente publicados no site Memória Santista, do jornalista Sergio Willians

Sérgio Willians

Jornalista, escritor e pesquisador, é vice-presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Santos, diretor-técnico da Fundação Arquivo e Memória de Santos e diretor cultural da Sociedade Humanitária dos Empregados do Comércio. Também é membro correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo.

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