Morador do Boa Vista em São Vicente há oito anos, ao me deparar com uma imagem antiga do bairro em um perfil do instagram, algo me chamou a atenção. A imagem aérea, fotografada do maciço de São Vicente, retrata trechos do bairro Boa Vista, parte do Gonzaguinha e uma pequena área da Vila Valença, ainda repleta de vegetação.
Pronto! Finalmente consegui encontrar uma imagem que retratasse o local exato onde moro: a Rua Floriano Peixoto esquina com a Avenida Quintino Bocaiúva, embora o edifício nem sequer havia sido construído, exibindo na imagem um terreno com vegetação rasteira.
Em um segundo momento, algumas construções me chamaram a atenção. Perceba que, no canto esquerdo da imagem, há dois edifícios sendo erguidos na praia. Mais a esquerda, o Edifício Grajahu e na sequência, o Edifício Inajá. Ambos modificaram a paisagem urbana, precursores dos paredões de pedra deste lado da baía de São Vicente. Essas duas construções indicam que a imagem data, possivelmente, entre as décadas de 40 e 50, visto que o projeto do Grajahu foi apresentado em revistas e jornais em 1946 (1), e o Edifício Inajá foi apresentado finalizado na Revista Acrópole em 1954 (2).
(1) http://www.acropole.fau.usp.br/edicao/100/11
(2) http://www.acropole.fau.usp.br/edicao/193/17
Na busca da minha relação como morador desta cidade, e por me sentir pertencente a ela, acabei por me interessar por outras construções retratadas, dos quais quatro edifícios que já estavam firmes e fortes na cidade, sendo pioneiros dos “predinhos” de três andares desta área do bairro.
Notem que ao olhar para o centro à direita da imagem, destacam-se quatro construções de cores claras e em quadras já delimitadas. Três construções na rua Gonçalo Monteiro, respectivamente Edifício Jangada, Marco Aurélio e Primavera, este último na esquina com a rua Freitas Guimarães; e o quarto, o Edifício Itanhaém, localizado na Freitas Guimarães com a Floriano Peixoto.
Os quatro foram construídos para funções residenciais e projetados para veraneio. Com uma arquitetura simples, sem muitos ornamentos, o estilo se rendeu ao gosto da época. Muros eram inexistentes. Apenas uma pequena limitação para que o pedestre notasse a separação do uso público do privado.
Uma característica comum aos predinhos aqui mencionados é a utilização de revestimentos em pedra no embasamento. Não se sabe ao certo se esse detalhe está presente desde a concepção das construções, mas é claramente presente nos Edifícios Jangada e Marco Aurélio. Nos Edifícios Primavera e Itanhaém, é preciso um esforço maior para perceber essa peculiaridade, em razão de terem sido bastante modificados desde as suas configurações iniciais. O próprio Jangada, apesar de sua fachada revestida de pedras, teve um elevador acrescentado posteriormente para facilitar o acesso dos moradores no dia-a-dia.
Uma das hipóteses levantadas é a de que as construções deste período utilizavam esse revestimento no embasamento para evitar a umidade vinda do solo, já que os edifícios foram construídos literalmente em cima da areia da praia. Outra hipótese seria o gosto da época. É muito comum encontrarmos construções deste período no litoral, dando uma característica mais rústica e praiana às construções.
Presentes até hoje na paisagem vicentina, em meio a novos empreendimentos imobiliários, os quatro predinhos testemunharam a verticalização da cidade. Guardam características de um modo de habitar do bairro e despertam a memória afetiva das pessoas que passam ali diariamente, assim como eu, morador do Boa Vista e um eterno curioso da arte de morar.
Referências:
http://saovicentenamemoria.blogspot.com/2010/01/vila-valenca-e-boa-vista.html
http://peabirucalunga.blogspot.com/2019/07/as-orlas-do-gonzaguinha-e-itarare.html
* Mario Rodrigues Junior é nascido em Santos e atual morador vicentino, Mario é apaixonado por arquitetura. Técnico em Turismo pelo SENAC (Santos, 2002), iniciou o trabalho como Guia de Turismo, atuando por 8 anos na Secretaria de Turismo da cidade de Santos. Licenciado e Bacharel em História (UNISANTOS, 2009), cursou a pós-graduação (Lato Sensu) em Gestão Ambiental e Desenvolvimento Sustentável (UNINTER 2012). Atualmente é líder de projetos da de uma agência de viagens especializada em viagens de estudo do meio.